Os registros históricos revelam que as primeiras Lojas Maçônicas em nosso país foram oficialmente estabelecidas no início do século XIX. Anteriormente, consta da literatura maçônica o Areópago de Itambé, datado de 1796, uma sociedade filosófica de caráter liberal, referenciada como o embrião da maçonaria brasileira, mas incluída na categoria de sociedade secreta, além de vários clubes, academias e associações, cuja filosofia seguia o pensamento maçônico.
Outra sobre a qual recai controvérsia sob o aspecto da regularidade é a “Cavaleiros da Luz”, fundada na Bahia em 17 de julho de 1797, a bordo da fragata francesa La Preneuse, mas que seguramente teria o caráter de uma sociedade secreta com fins políticos. Tudo isso porque uma loja, para ser considerada regular, deve possuir uma carta constitutiva emitida por uma Obediência ou Potência também regular.
A Loja “União”, fundada por maçons portugueses, constituída em 1800, e considerada irregular inicialmente, foi refundada com o nome de “Reunião” no Rio de Janeiro, em 1801, filiada a uma Obediência francesa. Na sequência, constam as Lojas “Virtude e Razão” (Bahia, 1802); “Constância” e “Filantropia” (RJ, 1804), “Virtude e Razão Restaurada” (Bahia, 1807); “Regeneração” (Engenho Paulista – PE, 1809); “Pernambuco do Ocidente” e “Pernambuco do Oriente” (1812); Distintiva (São Gonçalo da Praia Grande – Niterói-RJ, 1812); Guatimosim (Recife-PE, 1812); “União” (Bahia, 1813).
O realce na cronologia das lojas sempre ficou com a “Comércio e Artes na Idade do Ouro”, fundada em 15 de novembro de 1815, no Rio de Janeiro, inativa, pelo menos aparentemente, após o Alvará Real de 30 de março de 1818, que proibiu o funcionamento das ainda incipientes lojas do território nacional, na época em que o Brasil era Reino Unido ao de Portugal e Algarve (Castellani, 1993). A Loja foi reinstalada em 24 de junho de 1821 e serviu de base para a fundação do Grande Oriente Brasileiro, em 17 de junho de 1822, entrando para a história como o pivô da Independência.
Os acontecimentos que resultaram na independência do Brasil têm como largada o ano de 1808, com a chegada de D. João ao Rio de Janeiro no dia 7 de março, depois de uma estada na Bahia, onde aportou em 22 de janeiro, sob a proteção naval da marinha inglesa, trazendo a Corte para o Brasil, em fuga da invasão e dominação de Portugal pelas tropas francesas de Napoleão Bonaparte, comandadas pelo General Junot, com o assentimento da Espanha. Tal acontecimento deu ao país nova organização administrativa nos moldes de um Estado independente e ensejando, segundo alguns historiadores, a “inversão metropolitana”, onde uma colônia passava a sediar uma corte europeia pela primeira vez na história. Naquele momento, Inglaterra e França disputavam a liderança no continente europeu. D. João não obedecera às determinações de Napoleão de fechar os portos portugueses aos navios ingleses. Ao partir, D. João deixara Portugal aos cuidados do Conselho de Regência de 1807.
A bordo dos navios que trouxeram a Corte, com a estimativa entre quatro e sete mil pessoas, excluindo tripulantes, constaram “joias da família real, arquivos importantes do governo português, homens essenciais de um Estado soberano – como as altas hierarquias civil, militar e eclesiástica -, a alta sociedade, membros de profissões liberais e do mundo dos negócios, toda a máquina do Estado estava sendo transplantada para continuar sua rotina no Brasil” (Cáceres, 1995).
Com isso, foram reconstituídos em solo brasileiro todos os órgãos do Estado português: os ministérios do Reino, da Marinha e Ultramar, da Guerra e Estrangeiros e o Real Erário, que em 1821 mudou o nome para Ministério da Fazenda. Outros órgãos da administração e da justiça foram recriados. Cada departamento, cada repartição importante foi restabelecida com as mesmas funções, o mesmo nome, os mesmos poderes e os mesmos métodos que o seu protótipo em Portugal.
Registre-se que a burocracia generalizada e ineficiente, o apadrinhamento e o nepotismo eram os mesmos existentes no modelo português, fato este que explica boa parte de nossa herança cultural. Muitos historiadores consideram D. João como o verdadeiro mentor do moderno Estado brasileiro. Caio Prado Júnior, na obra “Evolução política do Brasil (1ª ed.: 1933)”, consignou que, se não fora os aspectos externos e formais, a transferência da corte poderia ser caracterizada como o marco da independência do Brasil.
A chegada da Corte promoveu mudanças que redundaram em progresso, através de inúmeras medidas adotadas, como a carta-régia de 28 de janeiro de 1808, que permitiu a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, considerado como um referencial de transição do Brasil, de colônia a Estado soberano; o alvará de 1º de abril, revogando o de 1785, que proibia a instalação de manufaturas; a criação do Banco do Brasil, em 12 de outubro de 1808, e, finalmente, a importantíssima lei de 16 de dezembro de 1815, que elevou o país à categoria de reino: Reino Unido a Portugal e Algarves, legitimando a permanência da Corte no Brasil e favorecendo a ruptura colonial sem graves convulsões sociais, sem fragmentação territorial e com unidade politica. Conforme alguns historiadores, com esse ato D. João tornou o Brasil independente dentro da Monarquia Portuguesa.
As transformações materiais foram acompanhadas de mudanças no panorama cultural, como a criação do Museu Nacional e da Biblioteca Real – futura Biblioteca Nacional, da Academia Militar, da Academia da Marinha e de escolas voltadas para melhorar a qualidade da mão de obra, como a Escola de Comércio e Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. O ensino público melhorou com a criação de escolas de Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro. Repercutiu positivamente a vinda de missões artísticas e científicas estrangeiras. A Academia de Belas-Artes foi criada em 1816. Cidades cresciam e foram tomadas medidas visando à melhoria das condições higiênicas e sanitárias, em especial nas cidades portuárias. Entre 1810 e 1820, o Rio de Janeiro já contava com mais de 100 mil habitantes, sendo muitas vezes identificada como uma “nova Lisboa” pelos enciumados moradores de outras partes do Brasil.
De grande relevância para a história cultural e ideológica do período foi a criação da Imprensa Régia, que quebrou a secular proibição da atividade impressora no Brasil. O primeiro jornal foi a “Gazeta do Rio de Janeiro” (1808-1822). Na Bahia, em 1811, apareceu o jornal “A Idade de Ouro do Brasil” (1811-1823). O destaque foi o “Correio Brasiliense (1808-1822)”, editado em Londres, com frequência quase mensal, pelo maçom Hipólito da Costa, brasileiro, conhecido como o “Patriarca da Imprensa Brasileira” e mentor da geração da independência. O “Correio Brasiliense” ou “Armazém Literário” era de oposição e não tinha o apoio oficial, mantendo-se dos recursos provenientes de suas vendas, e considerado, à época, o mais completo veículo de informação e análise da situação política e social de Portugal e do Brasil.
Segundo a historiadora Emilia Viotti da Costa (citada por Koshiba, 1963), “a entrada de estrangeiros em número crescente a partir de 1808, a intensificação dos contatos com a Europa facilitaram a divulgação de ideias liberais e nacionalistas, então cultivadas nas sociedades secretas que aqui também se multiplicavam”. Tudo isso propiciou à formação de uma consciência emancipacionista no Brasil.
A presença da Corte portuguesa no Brasil acabou com a importância política da região Nordeste. Por isso, um sentimento antilusitano tomou conta da Bahia e de Pernambuco, e teve papel importante no movimento revolucionário que marcou o período, a Revolução Pernambucana de 1817, de tendência fortemente nacionalista, no sentido de implantar a república em Pernambuco. Os portos nordestinos recebiam navios e comerciantes norte-americanos, a procura de mercados, que traziam artigos de jornais, livros e exemplares da Constituição norte-americana e faziam reuniões e conferências com pessoas importantes da sociedade de Pernambuco. Com as discussões sobre a Declaração de Independência e a Constituição dos Estados Unidos, muitos acreditavam que as ideias republicanas e liberais trariam o progresso e o desenvolvimento para o Nordeste.
A maçonaria e outras sociedades secretas, estimuladas pelos comerciantes e viajantes estrangeiros, se encarregaram de difundir os novos princípios liberais. O maçom Domingos José Martins, que era favorável à libertação dos escravos e a incorporação dos mesmos como soldados na luta contra os portugueses, liderou o movimento. Com a derrota do despreparado exército revolucionário, os principais chefes foram levados para Salvador, onde responderam a processo sumário (devassa), sendo todos executados, incluindo Domingos José Martins, num total de 43, entre civis e militares, bem como três eclesiásticos, dentre os quais o famoso padre Roma (José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima), também maçom (Castelani, 1989). A Revolução Pernambucana é considerada a precursora da independência política do país, juntamente com a Inconfidência Mineira, tendo ambas o protagonismo de vários maçons que fomentaram o caminho da emancipação total.
Segundo Castellani (2007), toma-se o Alvará de 30 de março de 1818 como uma consequência direta da fracassada Revolução Pernambucana, ensejando medidas contra a atuação da maçonaria, ao proibir o funcionamento das sociedades secretas, abrangendo as ainda incipientes lojas do território nacional, motivado pela agitação do meio maçônico empenhado em obter a independência do Brasil, através de movimentos regionais nacionalistas, de caráter geralmente republicano. O Alvará mostrava o empenho de D. João em fazer uso da força contra qualquer nova tentativa de rebelião, com a participação das hostes maçônicas. Não obstante o recesso oficial, a maçonaria continuou a trabalhar secretamente.
Desde 1809, Portugal estava libertado, pelos ingleses, do domínio francês. O general William Baresford, da Inglaterra, com o título de “Lorde Protetor”, era o virtual ditador, com o consentimento de D. João, enquanto este e sua Corte permaneciam no Brasil, com prejuízos para a burguesia comercial portuguesa, para a qual interessava a volta da família real para Lisboa e o restabelecimento do exclusivismo comercial da metrópole sobre a colônia.
Naquele momento, “Embora consideradas criminosas e proibidas em Portugal, as sociedades secretas e a Maçonaria se desenvolviam e difundiam ideias liberais nas grandes cidades. Combatiam o absolutismo, a sociedade tradicional, as superstições e a intolerância religiosa. A Maçonaria não era antibritânica, porque contava com muitos membros ingleses. Mas as outras sociedades secretas, como o Sinédrio, que pretendiam libertar Portugal da dependência inglesa, eram claramente antibritânica.”(Cáceres, 1995).
Como resultado da vitória da Revolução Liberal do Porto conduzida pelos militares, culminando com a expulsão dos ingleses, em 1820, e a consequente formação das “Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa”, como o primeiro Parlamento convocado em Portugal, à revelia de D. João, a permanência da Família Real no Brasil tornou-se motivo de enorme insatisfação, pois a colônia, então equiparada à metrópole, estava a um passo de sua emancipação, e isso feria o orgulho português.
A Revolução do Porto pôs fim ao período de relativa estabilidade política que o Brasil havia conhecido desde a chegada da família real, gerando tumultos, passeatas, pronunciamentos militares e rebeliões em várias partes do país, forçando D. João, a partir de então, com o título de rei e o nome de D. João VI, a jurar a nova Constituição que estava sendo elaborada em Portugal, deixando de ser um monarca absolutista e tornando-se rei constitucional. A pressão das Tropas portuguesas sediadas no Rio de Janeiro foi decisiva para a decisão de D. João. Sua volta passou a ser exigida, apesar da vontade em permanecer no Brasil.
Embora criando uma monarquia constitucional e derrubando o absolutismo, as Cortes em Portugal sempre declararam lealdade ao rei D. João. Entretanto, crescia ainda a preocupação de seus membros com as perdas das riquezas provenientes do Brasil. Vale ressaltar que a Inglaterra dominava o comércio exterior brasileiro.
Assim, atendendo à exigência das Cortes e com o receio de perder o trono, em função do decreto-régio de 7 de março de 1821, e pressentindo a possibilidade de o Brasil tornar-se independente, D. João nomeou como regente do Reino do Brasil seu filho e herdeiro, D. Pedro, aos 22 anos de idade. Ao partir, em 26 de abril de 1821, D. João recomendou a seu filho: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que para alguns desses aventureiros”. A esquadra, composta por duas fragatas e nove embarcações de transportes, levou 40 mil pessoas. D. Carlota Joaquina exultante, partiu maldizendo o Brasil. D. Pedro acompanhou o pai até a saída da barra. (Del Priore, 2012).
Dessa forma, o príncipe regente vê-se envolvido pela elite pensante e econômica local, dentre os quais um forte grupo político composto por vários maçons. Já naquela oportunidade, o Banco do Brasil se viu desfalcado de mais de cinquenta milhões de cruzados em barras e moedas de ouro que haviam sido levadas por D. João dentro de suas malas, inaugurando procedimento que se “repete” ainda nos dias atuais. Para contornar a situação, D. Pedro ordenou a emissão de mais papel-moeda, o que causou a desvalorização da moeda e a elevação dos preços, inoculando o veneno da inflação. Qualquer comparação com a história recente não é mera coincidência.
Ainda em abril de 1821, um decreto das Cortes anulou o ato que havia nomeado D. Pedro regente. Decidiram, ainda, que o Brasil não apenas deixaria de ser um reino unido a Portugal como também o vice-reinado, com sede no Rio de Janeiro, não seria restabelecido. Em substituição a um governo central, o Brasil seria divido em províncias autônomas, cujos governadores (militares) seriam nomeados pelas próprias Cortes. Foi determinada a eliminação de todos os tribunais de justiça, das agências e das repartições públicas estabelecidas depois de 1807. Ademais, estavam sumariamente demitidos todos os juízes, advogados, escreventes e burocratas que ocupavam esses postos (Bueno, 1997).
O Ir:. Márcio dos Santos Gomes é M:.I:. da ARLS Águia das Alterosas – 197 – GLMMG, Oriente de Belo Horizonte, e membro da Escola Maçônica Mestre Antônio Augusto Alves D’Almeida, da Academia Mineira Maçônica de Letras
Artigo originalmente publicado no blogue O Ponto Dentro do Círculo.
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