A fraternidade entre os irmãos pode também ser entendida como uma nova proposta de convívio entre os homens, pautada na cordialidade, no respeito e na conduta pacífica dos membros. A loja deve ser um lugar de harmonia, sendo proibidos qualquer palavra ofensiva e atos que interrompam a reciprocidade das boas relações. Contudo, caso haja alguma querela entre os maçons, estas devem ser submetidas a um júri maçônico, nunca sendo levadas ao mundo profano. A história, todavia, demonstra o quanto este preceito vem sendo desrespeitado, não sendo incomum a intervenção da justiça profana em questões maçônicas, bem como as cisões no interior de obediências e lojas.
No que concerne à beneficência para com os nãos iniciados, percebemos a constante colaboração da Maçonaria na implantação de creches, asilos, escolas e hospitais, além da presença de maçons no próprio gerenciamento destas instituições, muitas das quais, de caráter paramaçônico. Além da ajuda material, a caridade maçônica é entendida também como colaboração para o aperfeiçoamento intelectual e moral da humanidade. Neste caso, cabe aos iniciados levarem as luzes do saber aos despossuídos, guiando-os, pela via da instrução, rumo às ideias mais elevadas. É importante destacar que a filantropia configurou-se como um instrumento de aceitação dos pedreiros livre e de sua ordem por parte da sociedade, principalmente, em momentos nos quais a Igreja radicalizou sua condenação às atividades maçônicas. Portanto, a filantropia pode ser entendida como um mecanismo de divulgação e enaltecimento da ordem que lhe garante um legitimado espaço de atuação. Mais do que isto, ela cria redes de poder e laços de clientelismo que garantem a influência da instituição e de seus membros em importantes círculos do mundo profano.
Finalmente, o último preceito maçônico por nós analisado, corresponde ao da igualdade entre os homens. Todos os obreiros, diz a Maçonaria, “consideram-se iguais entre si e irmãos, só havendo entre eles as diferenças que decorrem da prática da virtude”. A Maçonaria pretende ser um espaço de encontro onde os homens veriam anuladas suas diferenças provenientes do nascimento, da classe, da religião ou da nacionalidade, havendo como único critério de diferenciação, o mérito individual. Dentro da loja, homens de diferentes posições no mundo profano, sentariam, comeriam e cantariam juntos, sem distinção. Todavia, vale ressaltar que a dimensão da igualdade maçônica encontrou inúmeras oscilações ao longo da história, sendo que as hierarquias e distinções do mundo profano, por vezes, refletiram-se no interior das lojas. Antônio H. Marques, ao analisar a Maçonaria portuguesa do século XVIII, ressalta que a indistinção entre ordens e classes, não ocorria de forma absoluta. Diz o autor que “a Maçonaria portuguesa discriminava em termos sociais, surgindo como união entre nobreza, clero e burguesia e não como uma sociedade cem por cento democrática” o que, segundo ele, seria consequência mais da realidade objetiva da sociedade portuguesa naquele tempo do que de uma discriminação de princípio.
Os pré-requisitos exigidos para que um homem adentrasse a Maçonaria, mantiveram, principalmente ao longo do século XVIII e XIX, aspectos excludentes, uma vez que seus critérios ultrapassavam as questões do mérito pessoal. Segundo o texto da Constituição de Anderson, “as pessoas admitidas na qualidade de membros das lojas devem ser homens bons e leais, de nascimento livre, de idade madura e razoável, de boa reputação, sendo proibido admitir na Maçonaria, escravos, mulheres e homens imorais, cuja conduta seja motivo de escândalo”. Aproximando-se do texto citado, a Maçonaria brasileira no século XIX estabelecia como requisitos mínimos para pertencer à ordem: ser homem, ter 21 anos de idade, instrução primária, reputação de bons costumes, ter ocupação livre e decente, meios suficientes de subsistência, estar isento de crime e não possuir nenhum defeito físico.
É importante, todavia, não negligenciarmos a dimensão histórica da instituição maçônica. Seria anacrônico exigirmos que a Maçonaria, nos séculos XVIII e XIX, atribuísse ao conceito de igualdade o mesmo sentido que lhe é dado nos dias atuais. É preciso termos em mente que as sociedades que elaboraram os dois textos acima citados, isto é, a inglesa e a brasileira, encontravam limites para a efetiva implantação de novos modelos e valores sociais. José Guilherme Merquior, por exemplo, ao analisar o liberalismo inglês, demonstra que, no século XIX, os privilégios aristocráticos ainda não haviam sido completamente superados. Do mesmo modo, as elites brasileiras oitocentistas ainda demonstravam um profundo apego aos valores nobiliárquicos herdados da cultura ibérica. Diante do exposto, é possível afirmar que a igualdade preconizada pela Maçonaria, embora não tenha sido implementada de modo absoluto, apresentou-se como uma proposta inovadora em meio a seu contexto histórico.
Por fim, Marco Morel chama-nos a atenção para a verdadeira incoerência do discurso igualitário maçônico. Fundamentando-se sobre uma forma aguda de distinção: os iniciados e os não iniciados, os que habitam as luzes e os que se mantêm nas trevas, a Maçonaria acaba por colocar seus obreiros como qualitativamente superiores aos profanos.
Doutora em História e pesquisadora dos temas culturas políticas, Maçonaria, Igreja, sociabilidades, imprensa e religião.
Fonte: Revista de Estudios Históricos de la Masonería Latinoamericana y Caribeña
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