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11 novembro 2017

Os Preceitos Maçônicos - II

Françoise Jean de Oliveira Souza

Analisando alguns periódicos maçônicos publicados no Brasil, no século XIX, observa-se que a Maçonaria atribuía a si uma missão de tamanha importância, ao se apresentar à sociedade profana como “A guarda avançada do progresso da humanidade”, “Anjos Tutelares do Progresso”, “Estrela Dalva que anuncia a madrugada da civilização”, dentre outros títulos. 
Tendo conseguido demonstrar à humanidade os fins aos quais a Maçonaria se propõe, a imprensa maçônica afirma que a instituição “(…) se recomendará à posteridade por relevantes serviços em prol da civilização”. Sustentando esta posição, os pedreiros livres assumem o papel de guias, vanguarda e tutores dos profanos, acreditando-se conhecedores de uma verdade absoluta acerca da humanidade e só acessível aos iniciados nas luzes. Tal atitude, além de valorizar o papel da instituição perante a sociedade, investe a Maçonaria de poderes, uma vez que esta se torna, por princípio, o lugar do saber.
Em consonância com o discurso do progresso, a Maçonaria mantém a liberdade de consciência como uma de suas divisas capitais. Afirmando-se como um espaço onde os homens colocam suas ideias e opiniões sem nenhuma restrição, a Maçonaria acabou por constituir-se numa escola de formação política, na medida em que permitia e estimulava o livre debate e a deliberação. Esta característica da sociabilidade maçônica, aliada ao seu caráter secreto, levou muitos pensadores a procurá-la como abrigo, em diferentes contextos de perseguição.
Ressalta-se que a liberdade de consciência preconizada pela Maçonaria apresenta-se como corolário do liberalismo inglês, surgido no bojo dos embates políticos e religiosos do final do século XVII, e que tinha como pilares, a tolerância religiosa e a expansão da liberdade civil. O fato de a Inglaterra haver conseguido refrear a arbitrariedade do poder político, não obstante este ainda estivesse restrito a uma oligarquia, e ter conquistado mais liberdade geral do que em qualquer outra parte da Europa, é de fundamental importância para a compreensão das razões que levaram os primeiros maçons modernos a elaborarem preceitos de natureza liberal.
A liberdade de culto e a tolerância foram, dos conceitos imanentes à liberdade de consciência, os que mais repercutiram nos séculos XVIII e XIX. Evidenciando sua herança moderna e iluminista, a Constituição de Anderson afirma que “seja qual for a religião de um homem, ou sua forma de adorar, ele não será excluído da ordem, se acreditar no glorioso Arquiteto do céu e da terra”.
A liberdade de expressar uma fé, bem como de conviver com pessoas de credos diferentes foi, sem dúvida, um dos principais responsáveis pela espantosa expansão da ordem pelo mundo, bem como pelas ferozes críticas a ela remetidas. Não seria equivocado afirmar que, no contexto setecentista, a Maçonaria constituiu-se numa das primeiras instituições ecumênicas do mundo, criando um novo espaço de convívio social onde são suspensas as barreiras religiosas que, até então, segregavam os povos e os encerravam em comunidades naturais às quais eles deveriam pertencer, sem possibilidade de escolha. Lançavam-se, assim, os fundamentos das futuras organizações internacionais de caráter laico.
Entretanto, a modernidade maçônica encontra seus limites no próprio texto da sua Constituição. Se a Maçonaria postula a liberdade de culto, por outro lado, ela estabelece que “um maçom é obrigado por seu título, a obedecer à lei moral e, se compreender bem a arte, nunca será um ateu estúpido, nem libertino irreligioso (…)”. Deste modo, um dos pré-requisitos para a entrada na ordem é possuir uma religião e crer em um princípio criador, expresso na linguagem dos pedreiros livres, como o Grande Arquiteto do Universo. Tal princípio criador não passa por uma visão deísta, baseada na crença em um Deus sem atributos morais e intelectuais, como apregoavam muitos iluministas. Ao contrário, a Constituição de Anderson refere-se a um Grande Arquiteto que, baseado em valores e princípios morais, intervém providencialmente no universo. Por fim, além da imposição da crença em um princípio teísta, os maçons devem prestar juramento sobre o Livro Sagrado da lei. Este, no entanto, pode ser a Bíblia, como em geral o é, ou qualquer outro livro religioso como o Corão, a Torá, etc.
É fundamental, todavia, não tomar as proposições estabelecidas pela Constituição como sendo um reflexo da realidade maçônica em seus múltiplos lugares e tempos históricos. No que se refere à posição da ordem em relação à religião, por exemplo, esta variou conforme a tendência maçônica de cada país, a obediência à qual pertencia e o contexto religioso preponderante. A Maçonaria francesa, por exemplo, foi considerada irregular pela Grande Loja de Londres, por repudiar as exigências de caráter religioso e metafísico. Também a Maçonaria portuguesa do século XVIII, em parte, afastou-se do cristianismo e do catolicismo tradicional, preferindo outras crenças menos organizadas, deuses mais “filosóficos”, próprios de pensamentos religiosos panteístas. Conclui-se, assim, que a relação da Maçonaria com a religião mostrou-se possuidora de múltiplas facetas, sendo a instituição mais teísta e conservadora nos países britânicos, mais laica na França e nos países de sua influência e, até mesmo, partidária de segmentos religiosos específicos como o protestantismo, no caso de algumas lojas latino-americanas, no período áureo da perseguição católica do século XIX.

Doutora em História e pesquisadora dos temas culturas políticas, Maçonaria, Igreja, sociabilidades, imprensa e religião.
Fonte: Revista de Estudios Históricos de la Masonería Latinoamericana y Caribeña


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