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10 novembro 2017

Os Preceitos Maçônicos

Françoise Jean de Oliveira Souza

A Maçonaria considera a si mesma como uma instituição universal e composta de um corpo de doutrinas acabadas, que permaneceram imutáveis através dos tempos. Entretanto, foi justamente a realidade idiossincrática, assumida pela ordem nas diversas partes do mundo, que dificultou, por vezes, a tarefa de demarcar o campo conceitual maçônico. 
Não obstante tal dificuldade, é possível buscar na Constituição de Anderson, e em vários outros escritos, ideias recorrentes que nos apontam os preceitos fundamentais da instituição. Com base neste levantamento, identificamos como principais componentes desse fundo comum teórico, as divisas do progresso, da razão, da liberdade, da igualdade, da moral e da fraternidade.
O processo de elaboração das divisas e dos preceitos maçônicos encontra-se intimamente vinculado à história sócio-política da Inglaterra. Já as divergências relativas à interpretação e implementação deste corpo teórico, refletem as turbulências europeias dos séculos XVII e XIX, período no qual foram elaboradas inúmeras e variadas propostas para a civilização humana, bem como as diferentes demandas impostas à Maçonaria pelas conjunturas nacionais. A constituição histórica da Maçonaria nada mais é do que fruto da soma destes fatores.
Embora o pensamento iluminista do século XVIII tenha se desenvolvido em várias direções, percebe-se, na base das investigações científicas e filosóficas da época, algumas ideias recorrentes. Muito comum era a noção de que o espírito humano, ou a natureza humana, possuía uma estrutura fundamental e invariável, independentemente do tempo e do espaço. 
O caráter imutável da natureza humana permitiria, não apenas explicar a sua essência, mas também chegar, através de uma argumentação racional, a conclusões indiscutíveis que prescreveriam aos homens, a melhor forma de se organizarem. À luz desta premissa, os fenômenos humanos foram entendidos como sujeitos a leis verificáveis e, logo, susceptíveis de um tratamento similar ao das ciências naturais.
Ao interpretarem a história humana sob ESTE ponto de vista, os pensadores iluministas chegaram à conclusão de que esta história não poderia ser um mero agregado de fatos aleatórios. Ao contrário, ela deveria seguir um padrão passível de compreensão por meio de leis gerais. Todavia, embora a razão tenha sido apreendida como principal instrumento de domínio do homem sobre a natureza, e logo, sobre a sua própria história, a emancipação das concepções morais e metafísicas não foi completa. 
A crença num padrão teleológico subjacente aos fatos da história humana foi explicitamente sustentada. Em conformidade com um modelo pré-estabelecido, postulava-se que a história se movia rumo a uma finalidade, a uma direção especial, moralmente aceitável. Em síntese, acreditava-se que “o homem é ou contém em si mesmo algo de valor absoluto, de modo que o processo da natureza, na sua evolução, tem sido um progresso, na medida em que tem sido um processo ordenado, conduzindo a existência humana”. Surge daí a fé na perfectibilidade humana e na inevitabilidade do progresso.
O pensamento maçônico, organizado no contexto das luzes, mostra-se herdeiro da crença escatológica do progresso, visto que elaborou para si uma cosmovisão que prevê uma idade de ouro, quando enfim, o homem atingirá sua plenitude moral. O preâmbulo do Código Maçônico Brasileiro de 1914 apresenta os objetivos da Maçonaria como sendo “o aperfeiçoamento material, moral e intelectual da humanidade, por meio da investigação constante da verdade científica, do culto inflexível da moral e da prática desinteressada da solidariedade”. 
Para a Maçonaria, a razão e a ciência são tidas como os principais instrumentos que levarão a humanidade a atingir um futuro de moral e virtudes que são certos e comuns a todos os povos, uma vez que se crê na unicidade da natureza humana. Contudo, se os instrumentos que levam ao futuro são de base objetiva e cartesiana, este futuro utópico a que se acredita chegar é essencialmente de caráter subjetivo, uma vez que se sustenta em valores (moral e virtude) histórica e culturalmente construídos. Além disto, a sociedade maçônica aproxima as modernas crenças na razão e na ciência a valores tais como o respeito à hierarquia e o culto ao passado, cuja origem e sustentação datam das tradições dos ofícios medievais.
Todavia, mais do que simplesmente acreditar na evolução da humanidade rumo a um futuro determinado, a Maçonaria exprime-se como a instituição de vanguarda responsável por guiar os homens rumo à civilização. A passagem abaixo elucida bem a visão que os maçons nutrem de si próprios:
A única lei da vida é o progresso: progresso indefinido, sucessivo em todas as manifestações do ser, sob todas as fases de sua existência. Cremos que infalivelmente devem cumprir-se as leis do progresso, porém cremos também que, tendo-nos a missão de realizá-lo como obra nossa, devemos consagrar nossa liberdade, utilizando o tempo e o espaço que nos estão cedidos, de maneira que sua aceleração ou atraso dependam de nós, segundo nosso mérito ou demérito.

Doutora em História e pesquisadora dos temas culturas políticas, Maçonaria, Igreja, sociabilidades, imprensa e religião.

Fonte: Revista de Estudios Históricos de la Masonería Latinoamericana y Caribeña

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