“Vaidade de vaidades! Tudo é vaidade.” (Eclesiastes)
O psiquiatra Flávio Gikovate chamaria essa tal alma exterior de Machado de Assis de vaidade, e a alma interior de autoestima. Ele escreveu certa vez um livro que classificava a vaidade como “o vício dos vícios”. Segundo comentário feito por ele mesmo certa vez, o livro foi um dos que teve pior resultado em vendas. Tanto que está disponível para download gratuito em seu site (mais um livro gratuito recomendado).
As pessoas não se interessaram em ler sobre vaidade, provavelmente porque esse é, realmente, um dos vícios mais humanos, demasiado humano, de todos. A vaidade é mãe da inveja. Gikovate classificava a vaidade como um prazer erótico que sentimos ao perceber que nos destacamos de alguma maneira do restante do grupo, seja por questões materiais, intelectuais, físicas.
Gikovate dizia que todos nós sentimos um certo incômodo, um certo vazio, uma angústia, que está relacionado a inúmeras dúvidas que temos a respeito de nós mesmos, bem como à constatação de nossa insignificância. “A sensação de abandono e de insignificância que resta é, em certo sentido, insuportável”.
Assim, usamos diversos subterfúgios para amenizar esses vazios que sentimos diante da crueza da vida humana e de suas inúmeras tragédias e a vaidade é um deles. Sabemos que somos insignificantes no Universo e, dessa forma, a busca por um destaque individual dentro do grupo social nos gera esse prazer.
No entanto, ele classificou a vaidade como vício porque “o prazer que sentimos é sempre de natureza efêmera; precisamos de novas coisas para que a sensação se repita. Precisamos de cada vez mais coisas para sentirmos a mesma emoção; é como se fosse um vício no qual vamos nos afundando cada vez mais.”
Dessa forma, quando perdemos o “status” – que, no caso do livro, era o de alferes, mas pode ser status de médico, advogado ou ator, muito dinheiro, muita beleza, muita inteligência, uma família perfeita, ou até mesmo uma aparente ausência de vaidade, que também é uma maneira de se destacar, já que o ‘despojado’ quer parecer assim e isso lhe causa igual prazer – “perdemos ‘importância’ e isto nos remete à insignificância”, que ele diz que evitamos a todo momento de pensar;
“Podemos dizer que se o atenuador do desconforto psíquico for apenas um paliativo e de duração temporária, nossa dor voltará a surgir de uma hora para outra e de forma cada vez mais intensa”, disse o Gikovate.
Ele, no entanto, afirma que não há como nos livrarmos da vaidade, que é uma condição humana. O que temos que fazer é nos esforçar para nos livrar da vaidade como vício, percebendo como ela funciona e tentando sempre atuar no caminho do bom senso, o que “não é nada fácil, especialmente para nós que não fomos treinados para esta tarefa; fomos educados para valorizarmos os exageros, os extremos, confundidos com a noção de destaques, de sucesso.”
Não é fácil, mas é o caminho. Exige esforço e um certo desapego de nossa parte, mas traz como recompensa um espelho nítido, mais fiel à nossa “alma interna”e bem menos dependente dos olhos, aplausos e curtidas dos outros.
Leia Porque a vaidade é um vício - Parte 1
Publicado originalmente no blogue O Ponto Dentro do Círculo
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